''Somos desprovidos de
um hospital público que atenda nossos
direitos mais básicos. A comissão interventora avançou em sua atuação,
garantindo que o hospital não fechasse as portas, mas continua precisando de
apoio e doações. Itacaré está longe de ter garantido um atendimento de saúde
hospitalar minimamente satisfatório.''
Sabe-se que uma
Fundação hospitalar não é um “Hospital”... Mas qual a verdadeira diferença
entre um hospital e uma Fundação que exerce o papel de hospital?
Nice Vidal: Essa
colocação de que não é um hospital não é verdade. É um hospital sim, só não é
da prefeitura. Ou seja, esta Fundação não é um hospital do município (é da
COMUNIDADE). O que temos com a Prefeitura é uma parceria que se responsabiliza
pelo pagamento dos sete médicos que dão plantões de 24horas (1 médico por dia
da semana), e outras despesas básicas tendo em vista os poucos recursos que
recebemos via SUS. Gostaria de ressaltar que esta parceria é fundamental para a
continuidade do funcionamento da FHI. A Fundação segundo seu estatuto, ‘’é a
pessoa jurídica de direito privado, direito privado, dotada de autonomia
administrativa e financeira, com patrimônio próprio, sem fins lucrativos’’.
Antes tinha o nome de’’ Associação de proteção à Maternidade e Infância de
Itacaré’’ que foi criada em 1969 por mães que viam a dificuldade de ter um
filho aqui na cidade. A parir de 18 de abril de 1993 foi instituída como FHI –
FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE ITACARÉ.
Há algum tempo
existia uma placa aqui na FHI proibindo o atendimento as pessoas de Maraú.
Como uma fundação hospitalar pode
restringir atendimento a alguém seja lá de que origem ela for, principalmente se esse sistema de
atendimento for baseado do Sistema de Saúde Universal, já que uma pessoa não
escolhe ficar doente, nem onde, nem quando?
Nice Vidal: Não é
que não atendemos pessoas de Maraú, agente atendeu e continua atendendo caso de
urgência e emergência. O que estava acontecendo, é que algumas regiões que
pertencem a Maraú são mais perto daqui, então foi uma conveniência das pessoas
virem receber atendimento aqui. Nós queríamos no mínimo uma contrapartida da
prefeitura de Maraú e fizemos um milhão de tentativas procurando o DR Ernani
que é o secretário de Saúde de Maraú. Para cada atendimento é uma série de
gastos: luva. Seringa, soro, roupa de cama. Na maioria das vezes eles jogavam
as pessoas aqui e pronto. Dependendo do caso ainda tem que transportar pra
Ilhéus. Eles não tinham preocupação nenhuma, então esse bloqueio foi mais pra
que eles se conscientizassem. Mas de forma alguma nós íamos deixar de atender
ninguém. Já vieram partos de emergências e nós atendemos! Nós mandamos um
ofício depois de diversas tentativas de contato sem sucesso. Pedimos um aporte
financeiro já que na época os atendimentos a pessoas dessa localidade chegavam
a 377. Só queríamos que eles acordassem, mas infelizmente não houve acordo.
Atualmente, quais são
as principais deficiências da Fundação?
Nice Vidal: A
Fundação está passando por uma
administração atípica desde que foi fundada como associação. Dentro do estatuto
está previsto de que a diretoria é escolhida pelos associados . Então as
pessoas se associavam pagando uma taxa por mês. A cada dois anos os associados elegiam
através de voto a diretoria. Só que chegaram várias denuncias até o Ministério
Público : Da vigilância Sanitária, Da Secretaria de Saúde do Estado. Até que o
Ministério Público chegou a conclusão de que o Hospital deveria fechar por que
não tinha mais condições de estar funcionando. Falavam por exemplo da
lavanderia, da sala de partos e davam um prazo pra resolver essas irregularidades.
Quando eles voltavam além do que não tinha sido feito, encontravam ainda mais
problemas. Chegou a um ponto que eles mesmos pediram pra fechar, pois as
condições estavam insalubres. Na época a promotora Drª Aline falou : ‘’Como
fechar o hospital de Itacaré? Se o hospital mais próximo está em taboquinhas
,que esse sim é da prefeitura. A 80km. Como fechar o hospital da sede?’’ Então ela
convocou a sociedade civil para que algumas associações que quisessem, fizessem parte da nova diretoria. Foram
escolhidas sete, que hoje são responsáveis pela administração do hospital. O
Juiz criou uma ação civil pública e no dia 06/10/2010, decretando o afastamento
daquela diretoria e nomeou a comissão interventora por um ano, prorrogado por
mais um ano. A rescisão será no dia 6 de outubro de 2012, termina agora neste
ano. Estamos nesse meio tempo tentando juntamente ao Ministério Público ver o
que eles vão decidir, por que a Fundação tem que voltar a ser administrada
normalmente, sem a comissão.
Qual o principal
papel da comissão interventora?
Nice Vidal: É
justamente tentar fazer com que o hospital não feche. Desde 2004 a fundação
funcionava sem o alvará da vigilância sanitária.Então quando a comissão
interventora assumiu , a primeira medida foi fechar a lavanderia – que estava
em situação de insalubridade – e terceirizá-la. Hoje a roupa é toda lavada por
uma empresa que é especializada em lavagem de roupa hospitalar.A maior
dificuldade da fundação é a financeira. A renda que agente recebe do SUS é
muito pouca. Nós criamos o programa Amigos da Fundação, para as pessoas da
comunidade e empresários que queiram fazer doação. Felizmente muita gente tem
nos ajudado. O custo é muito alto e a entrada é pequena, as doações nos ajudam
muito – espero que essa matéria também
nos ajude a mobilizar o máximo de doações. Exemplificando: por um atendimento
de urgência recebemos APENAS R$ 11,00; por um hemograma completo, APENAS R$
4,11; dentre outros procedimentos que têm um repasse muito abaixo dos custos
(mão-de-obra, energia, água, medicamentos, materiais, lavanderia,
alimentação,etc)
E quais são os
principais avanços que a equipe interventora conseguiu realizar?
Nice Vidal: Essa
parte de terceirizar a lavanderia foi primordial. Conseguimos isolar a parte
administrativa. Antes as pessoas eram atendidas dentro do hospital estando
sujeitos a uma infecção hospitalar. Agora quem chega não precisa ter acesso ao
local onde as pessoas ficam internadas. A sala tem ar condicionado e a pessoa é
atendida com mais conforto. Já temos banheiros externos também,
conseguimos ainda colocar o
desfibrilador (Equipamento utilizado na parada cardiorrespiratória). Houve uma
economia muito grande no hospital na área de compra de medicamentos. Nós
comprávamos medicamentos em uma fábrica de Eunápolis e agora conseguimos
comprar mias barato em uma fábrica de Goiás. Já ouvimos comentários do tipo: ‘’
Ah, não estão valorizando o comércio local.’’ Mas óbvio que um hospital não
pode pagar o mesmo preço em um remédio que eu e você pagamos!
Tivemos economia também com a conta d’água que antes chegava
de R$2.000 à R$3.000 por que havia muito vazamento, resolvemos os problemas e
compramos dois tanques de 3 mil litros cada um. Tivemos que diminuir a folha de
pagamento, retirando algumas pessoas que infelizmente levaram para o lado
pessoal, mas em momento algum houve perseguição a ninguém, muito pelo
contrário, só tivemos que priorizar quem atende, que são os médicos, os
enfermeiros e os técnicos. Apesar de existir uma dívida antiga de 400.000,00,
desde que assumimos pagamos rigorosamente o INSS de todos os funcionários.
Com frequência há
reclamações do atendimento no hospital, principalmente o atendimento noturno. É
comum, por exemplo, as pessoas chegarem ao hospital durante a noite e estar
tudo fechado e as pessoas estarem dormindo e virem atender com mal humor, com
arrogância como se estivessem incomodando.
Nice Vidal: Vou
responder essa pergunta com uma frase antiga: ‘’Se nem Jesus Cristo agradou a todos quanto mais nós pobres mortais’’.
Obviamente defeitos não vão faltar. O que nós pedimos aos funcionários do
hospital é que sigam uma frase que temos espalhada pelo prédio; ‘’Respeitem
para serem respeitados’’. E também temos um livro de sugestões e reclamações,
como eu não fico aqui 24 horas não dá pra saber o que acontece aqui o tempo
todo.
O que eu peço é que as pessoas usem esse livro na recepção,
todas as pessoas tem direito a ele, escreva, mas especifique o que aconteceu,
onde e com quem (o nome do funcionário). É muito difícil monitorar, mas as
poucas pessoas que registraram essa reclamação nós procuramos saber e
advertimos o funcionário. Garantir pra você que isso não acontece eu não posso,
mas fico muito triste em saber disso. A gente pede a todos os funcionários para
tratarem bem todo mundo! Tem gente que confunde as coisas, o hospital só tem
estrutura para atender urgência e emergência. Infelizmente só temos um médico
por dia que atende 24 horas todo tipo de serviço. Muitas vezes os médicos não
tem tempo de descansar, aí ele vai pro quarto descansar na metade de sua longa
jornada, logo em seguida chega alguém, então a instrução que as pessoas que ficam aqui tem é: ‘’É melhor deixar ele descansar um pouco até
pra ele vir com a cabeça melhor! ‘’ Ele é um ser humano! Outro dia tinha
uma senhora gritando por que o neto dela estava com febre e ela já estava
esperando há 15 minutos, mas o médico estava fazendo uma sutura em um homem que
chegou cortado. Ele apareceu com a mão cheia de sangue e falou: ‘’Senhora eu estou com um rapaz todo cortado
lá dentro, e quanto mais a senhora gritar mais tempo eu vou demorar!’’
Então algumas dessas pessoas não entendem o funcionamento do hospital.
Já que a equipe
interventora administra as contas, as burocracias e as demandas urgentes da
infraestrutura, quem fica responsável quanto á qualidade do atendimento?
Nice Vida: Olha a
Comissão interventora é um trabalho voluntário. O Walbert Alcoforado Da
Silveira – Diretor Técnico, ele é médico e diretor técnico então essa parte da
qualidade no atendimento quem cuida é ele.
Se a fundação
hospitalar não é da competência do município e o hospital de Taboquinhas é um
grande elefante branco, que não atende rela necessidade de nosso município,
isso pode significar que nos usurparam o nosso direito à saúde e ao atendimento
universal?
Nice Vidal: Não
posso responder essa pergunta.